A existência de um programa de Formação Cívica, fornecido às escolas do concelho por parte das autoridades locais, pode ser um pequeno passo para um grande desenvolvimento humano dos cidadãos da cidade e um factor de diferenciação para o resto do país. A educação assume um papel crucial na nossa sociedade e, cada vez mais, se foca em conteúdos programáticos mais teóricos e técnicos, negligenciando os conhecimentos práticos que a vida quotidiana exige, sejam estes uma simples deslocação às urnas, um simples pagamento de impostos, ou uma procura de emprego.

Desde o estabelecimento da lei de bases do Sistema Educativo em 1986, o ensino secundário já era previsto e o contacto com a comunidade e a preparação para a vida ativa e para o mercado de trabalho desde o início que fizeram parte dos seus desígnios.

Entre as diversas alterações que o documento foi sofrendo ao longo do tempo, destaca-se o alargamento, aprovado em 2009 e iniciado efetivamente em 2012, do ensino obrigatório até ao 12º ano de escolaridade relevando ainda mais a importância desta modalidade de ensino concretizar os desígnios acima enunciados. Contudo, este alargamento não foi acompanhado por alterações currículares que contribuam para a realização dos objetivos do ensino secundário, mais ainda, para a realização dos intentos finais do ensino obrigatório. Curiosamente, este alargamento veio revogar em 2012 a implementação da disciplina de Formação Cívica, implementada por decreto-lei apenas no ano anterior, que visava exatamente à sensibilização e exposição da atividade cívica aos futuros cidadãos, cuja grande maioria ingressará no mercado de trabalho e afirmará a sua independência.

Dados da Pordata para 2015 referem que apenas 17,1% da população portuguesa é detentora de um grau académico superior, o que significa que existe uma vasta maioria da população que, após terminado o ensino obrigatório, ingressa no mercado de trabalho e é considerada assim apta para a participação cívica, respondendo por todas as suas ações e à qual é expectável um conhecimento de todos os seus deveres e direitos enquanto cidadãos. Contudo, em nenhum momento, a escola proporciona esse conhecimento, essa riqueza intelectual e essa sensibilidade. Não são fornecidos aos alunos as ferramentas que estes mais irão necessitar ao longo da sua vida, desde o conhecimento dos seus deveres enquanto contribuintes, consumidores, trabalhadores, etc, ao conhecimento dos seus direitos e das instituições que compõem a sociedade.

Deve, mais uma vez, recair sobre as autoridades locais dar o exemplo e premiar os seus concidadãos com as medidas que o poder central negligencía, nomeadamente através de um programa de Formação Cívica, serviço que seria então proporcionado às escolas dos respetivos concelhos.

Dadas as óbvias limitações orçamentais das autoridades locais, este programa não poderá ser excessivamente extenso, prolongado e aprofundado, deve ser acima de tudo objetivo, interessante e prático, possivelmente realizado em 3 ou 4 módulos no período de 1 a 2 meses. Os módulos devem ser independentes de forma a agilizar a disponibilidade das escolas e dos formadores, sendo que preferencialmente devem todos ser lecionados no âmbito do 12º ano de escolaridade. Finalmente, o conteúdo programático desta formação deve-se focar em:

  • Promover o conhecimento e a participação nas diversas organizações, associações e demais instituições de interesse da cidade;
  • Dar a conhecer, explicar e instruir sobre componentes práticas da vida quotidiana assim como deveres básicos de cidadania, como por exemplo o entendimento sobre impostos (IRS, IRC, IMI, etc);
  • Dar a conhecer a Câmara Municipal e as demais autoridades locais, assim como os diversos serviços proporcionados por estas, e os direitos e deveres dos cidadãos junto das mesmas.
  • Sensibilizar para o mercado de trabalho e auxiliar em componentes chave, como realização do curriculum vitae, entrevistas de emprego, etc.
  • Outros tópicos que sejam considerados relevantes para uma mais ativa e informada participação cívica.

 

Segundo o Portal das Escolas, só no concelho do Porto existem cerca de 54 escolas com ensino secundário, sendo que este número é alargado para 147 estabelecimentos de ensino em toda a zona metropolitana. Dados da Pordata para 2014, estabelecem um número médio de 402 alunos por escola o que equivale a cerca de 14 turmas, resumindo-se a cerca de 4 a 5 turmas só no 12º ano por escola. Proporcionar uma formação a um total de mais de 250 turmas por ano não será certamente uma tarefa simples mas não podemos afirmar que será demasiado dispendiosa.

Estabeleceu-se por portaria (n.º 60-A/2015), referente às operações que são apoiadas pelo Fundo Social Europeu e às regras de funcionamento das respetivas candidaturas, o valor do custo horário máximo de um formador em 2015, fixando-se este em 30€ por hora, sendo que na maior parte dos casos este valor não é atingido. Só em remunerações poderiamos esperar um custo a rondar os 30 mil euros anuais assumindo que são lecionados os 4 módulos de duração de 1 hora cada. Este valor equivale a cerca de 0,014% do orçamento da Câmara Municipal do Porto para 2016, e como vimos é abrangido pelo FSE. Haveria certamente custos de transporte mas, dada a reduzida área geográfica de que se trata, estes não desiquilibrariam em demasia as contas. Finalmente, não seriam esperados elevados custos associados aos materiais didáticos dada a natureza simples e prática do conteúdo a lecionar.

Como vimos, é um programa que exige um grande empenho, nomeadamente na agilização com os diferentes horários e calendários, já de si sobrecarregados, das escolas, mas não implica custos demasiado avultados, sendo que o retorno pode ser, já no curto prazo, bastante apelativo.

Com a concretização deste programa de Formação Cívica, espera-se que:

  • Se fomente um maior interesse pelos desígnios da cidade e uma maior participação política;
  • Contribua para a mobilidade da população, através do conhecimento e incentivo à participação nas diversas instituições da cidade, alargando assim o leque de população ativa nas diversas organizações, associações, etc;
  • Contribua para o desenvolvimento pessoal, cultural e intelectual dos concidadãos e consequentemente para a competitividade do capital humano da cidade;
  • Agilize os próprios serviços da Câmara Municipal, e demais autoridades locais, através de um conhecimento mais aprofundado por parte da população acerca dos mesmos, canalizando as eventuais questões, problemas, etc, que surgirão ao longo da vida para os devidos serviços.
  • Estabeleça um exemplo para o resto do país, contribuindo assim para o desenvolvimento da educação a nível nacional.

 

A educação é o pilar base de qualquer sociedade. É o que define a maior parte dos comportamentos em comunidade, seja através do consumo, do trabalho, da participação na vida política, ou simples vivências quotidianas. Contudo, cada vez mais, o foco das escolas prende-se no ensinamento de competências teóricas e técnicas, negligênciando o facto de nas suas salas de aula se sentarem os futuros cidadãos e cidadãs, futuros contribuintes, trabalhadores, patrões, pais, mães e demais títulos que exigem, sem excepção, um conhecimento da sociedade e dos direitos e deveres de cada um. Não podemos certamente esperar, e desejar, que a escola seja responsável por formar na totalidade os indivíduos, sobrepondo-se a instituições igualmente importantes como a família. Mas também não podemos exigir e obrigar, enquanto sociedade, enquanto Estado e comunidade, que os cidadãos exerçam atividades para as quais não lhes foram fornecidas ferramentas, seja um simples voto, um simples pagamento de impostos ou uma simples procura de emprego.

Proporcionar um serviço de Formação Cívica pode parecer um pequeno gesto, especialmente tendo uma dimensão camarária, como aqui o sugerimos, mas pode ser um largo passo para uma sociedade mais informada, ativa e interessada.